Um arquivo de família não é mais do que um conjunto de documentos acumulados num processo natural, ao longo dos tempos, pelos elementos de uma família, no desempenho das suas actividades quer públicas quer privadas, e por eles conservados com o objectivo de servir de testemunho, informação ou fonte histórica.
O ambiente doméstico em que este processo de acumulação se verifica, com as vicissitudes que lhe são intrínsecas, nomeadamente a exiguidade e o sucessivo aproveitamento dos espaços da casa, a sucessão de diversas gerações com diferentes sensibilidades face à documentação acumulada, são factores que propiciam a desorganização dos espólios documentais. Em consequência, são hoje raros os casos de arquivos de família que conservam uma organização reflexo do processo natural de acumulação.
A organização destes acervos documentais implica procedimentos técnicos similares aos utilizados, em tal tarefa, em qualquer outro tipo de arquivo. Contudo, os arquivos de família patenteiam determinadas características, especificidades, que tendem a tornar a sua organização num processo um tanto complexo.
A grande heterogeneidade que caracteriza os arquivos de família, divergindo fortemente, entre si, tanto em termos de tipologias como de volumes documentais por um lado, e a forte presença de documentos desprovidos de elementos essenciais à sua eficaz classificação e ordenação, por outro, constituem obstáculos de monta que o arquivista tem de superar.
A correspondência, as notas, os rascunhos, os apontamentos, as contas, os inventários, os róis, etc., são tipologias documentais que marcam forte presença neste tipo de acervos e cuja produção não obedece a normas rígidas, preestabelecidas. Surgem, por isso, frequentemente desprovidos de elementos vitais como sejam o local e a data de produção, a identificação do produtor, do destinatário, etc.
Por outro lado, organizar arquivos de família é, predominantemente, organizar peças documentais avulsas, o que representa, frequentemente, dificuldade acrescida. Tais documentos, quando “mexidos” sem o cuidado devido prestam-se, facilmente, à desorganização. Restituir-lhes a organização original torna-se, por vezes, tarefa difícil, senão mesmo impossível.
Organizar um arquivo de família, aliás como organizar qualquer outro tipo de arquivo, implica uma serie de operações quer intelectuais quer físicas envolvendo a analise estruturação e ordenação do material arquivístico Duas operações são contudo vitais a classificação e a ordenação
A Classificação e a operação de organização dos documentos da sua separação por classes, reflectindo, tanto quanto possível, a estrutura e funções/actividades da entidade produtora, neste caso, a família.
Como noutro tipo de arquivos, também nos arquivos de família, se pode recorrer a dois métodos de classificação: à priori ou à posteriori. Em qualquer dos casos, é inevitável o recurso a quadros/tabelas de classificação.
No processo de organização do Arquivo da Casa de Samaiões, optámos pela primeira via, recorrendo ao quadro de classificação proposto na publicação “Arquivos de Família: Organização e Descrição “.
Em tal plano, são propostas cinco secções: Uma primeira que pretende aglutinar toda a documentação relativa à “organização e constituição” da família, nomeadamente documentos genealógicos, catálogos e inventários de documentos, registos de documentação alienada ou transaccionada, etc.; uma segunda relativa à “gestão patrimonial” englobando documentação relativa à posse e administração de propriedades (autos de posse de bens, foros, prazos, registos de propriedades, róis e inventários de bens, etc.), e ainda documentação relativa à transacção e transmissão de bens (doações, escrituras de arrematação, de compra e venda, de partilhas de bens, de permutas, etc.); uma terceira secção relativa à “gestão financeira”, englobando documentação de contabilidade (receitas e despesas, orçamentos, recibos, etc.), documentação relacionada com empréstimo de capitais (escrituras de empréstimo, quitação de dívidas, pagamento de juros, etc.) e documentação relativa a impostos; uma quarta secção que aglutina toda a documentação relativa às “actividades individuais”, contemplando tantas subsecções quantos os elementos da família produtores/receptores de documentação e, finalmente, uma quinta secção relativa ao coleccionismo, actividade frequentemente representada neste tipo de arquivos.
Tal plano, prevê assim secções intimamente relacionadas tanto com aquilo que são as actividades fundamentais de uma família (a gestão do património e a gestão financeira), como relacionadas com a sua estrutura (actividades individuais e organização e constituição).
A ordenação dos documentos poderá reger-se por critérios como o cronológico, o alfabético (nominal, geográfico, temático, etc.), o numérico ou o hierárquico. Caberá ao arquivista a opção pelo critério, ou critérios, apropriados à realidade com que lida.
No caso concreto dos arquivos de família, os critérios cronológico e alfabético são os de mais vulgar utilização, havendo mesmo casos em que a sua conjugação se revela vantajosa.
Nos arquivos de família nota-se a predominância, e em alguns casos mesmo a
exclusividade, de um fundo documental, o da família que produziu e recebeu a documentação acumulada. Não são, contudo, raros os casos de arquivos de família detentores de documentação com proveniência diversa à própria família. Veja-se o caso de livros de actas de confrarias, livros paroquiais e por vezes mesmo livros notariais que, por força de actividades exercidas por membros da família, acabam por ficar depositados no seu arquivo, de uma forma mais ou menos acidental.
Fruto das diversas vicissitudes por que este tipo de arquivos, nomeadamente as decorrentes da união de famílias diversas pelo casamento, pode conduzir à presença de documentação de diversas famílias num mesmo arquivo.
Forte presença neste tipo de acervos marcam, sem dúvida, as colecções, podendo estas assumir as mais variadas formas. Tais colecções resultam de uma actividade, o coleccionismo, praticada por elementos de determinada família, pelo que devem ser encaradas, neste contexto específico, como parte integrante do seu fundo documental. Não é mesmo de excluir a possibilidade de determinado arquivo, deter documentos manuscritos que foram coleccionados. .
O princípio do respeito pela integridade dos fundos documentais prevê que estes devam permanecer indivisíveis. Na prática, o respeito por tal princípio implica que a documentação produzida e recebida por determinada família, no normal desempenho das suas actividades, permaneça junta, constituindo uma unidade indivisível.
Situações de partilhas, casamentos, a grande mobilidade, em termos geográficos, que certas famílias patenteiam, são factores que frequentemente comprometem a indivisibilidade dos fundos documentais de famílias.
O êxito da organização de um arquivo de família e a correcta aplicação dos princípios enunciados depende, como é óbvio, e de forma directa, do êxito obtido na realização do estudo da entidade produtora da documentação, ou seja, da família.
Uma vez organizado, o arquivo deverá ser instalado garantindo a sua preservação e facilitando o acesso aos documentos.
O fundo documental da família Teixeira Homem, em termos gerais, encontra-se em aceitável estado de conservação. No entanto, tal como seria de esperar, alguns documentos sofreram os efeitos de um prolongado período de exposição a um ambiente hostil, demasiadamente húmido e com amplitudes térmicas consideráveis, provocando em parte da documentação mais antiga o desenvolvimento de agentes químicos de destruição, agravados por alguns outros de ordem biológica, como sejam as pragas de bibliófagos. Alguns documentos evidenciam ainda danos de ordem mecânica, frequentemente resultado do seu deficiente manuseamento e acondicionamento.
Por seu lado, no processo de descrição, preconiza-se a representação de uma unidade arquivística e das suas partes componentes, pela recolha, análise e organização de informação, que identifique o material arquivístico e explique o seu contexto, bem como o sistema de arquivo que lhe deu origem.
A presente descrição do Arquivo da Casa de Samaiões, foi realizada atendendo aos preceitos inscritos na
ISAD(G) e em plena observância às regras de descrição multinível, nomeadamente: descrição do genérico para o específico, informação relevante para o nível de descrição, ligação entre as descrições, não repetição de informação e obrigatoriedade de indicação do nível de descrição.
Um arquivo de família devidamente organizado e convenientemente descrito, atendendo aos preceitos inscritos na ISAD(G), pode assumir-se como uma fonte de inegável valor quer para a história local, quer mesmo para a história nacional. Não esqueçamos, que neste tipo de arquivos, repousa uma significativa massa de documentos produzidos à margem das formalidades que enformam a documentação oficial. Tais documentos, permitindo mesmo, em certos casos, a reconstituição da vida quotidiana das famílias ao longo das diversas gerações, do seu sentir, da sua maneira de estar, enfim, das suas paixões, constituem um precioso auxilio para a história económica, social, cultural e das mentalidades.
O Arquivo da Casa de Samaiões é uma prova disso mesmo assumindo particular relevância quer pela sua cronologia quer pelo seu valor informativo. Constituído por 938 documentos, dos quais 924 são documentos simples e 14 documentos compostos, ilustra a evolução da família que lhe deu origem,
a família Teixeira Homem, no período cronológico compreendido entre 1472 e 1974.
Uma carta de venda datada de 16 de Julho de 1472, constitui o seu documento mais antigo.
(parte retirada do "Arquivo da Casa de Samaiões - Catálogo -pag. 13-18)